segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ironias da vida

Tive uma infância super bacana, regada a brincadeiras de fundo de quintal, comidinhas nas panelas das bonecas e claro, guloseimas. Na minha casa, existia até a desejada "lata do chocolate". Era uma lata  de alumínio, daquelas antigas, e ela ficava guardada no armário da cozinha. 

De vez em quando, como toda criança, tinha dores de barriga. Afinal, criança come tantas coisas que fica até difícil saber o que é que fez mal. Minha adolescência foi como a de muitas pessoas e se o foco fosse falar dela, levaria uma vida toda. 

Com 16 anos, tive minha primeira "crise" de gastrite. Remédio, dieta e a vida continua. Fase de vestibular, muita pressão e insegurança; coisas totalmente justificáveis para tal diagnóstico. 
Por volta de meus 19 anos, a segunda. "Ganhei" minha primeira endoscopia e o rótulo de ansiosa, novamente mais uma coisa para justificar a minha dor. E assim fui aprendendo a conviver, não tão amigavelmente, com o meu jeito ansioso de ser (sim, eu sou ansiosa!) e o meu estômago reclamão. 
Muito omeprazol, pantoprazol, dietas, florais para acalmar e psicoterapia. Nesta época, até me familiarizei com os incensos, tão odiados até então. Claro, sem dúvida, com tantos recursos, aprendi muitas coisas e melhorei minhas crises. Porém, elas ainda existiam. Foram 10 anos de um embate gigantesco travado e uma tentativa de acordo amigável com o meu corpo. 

Em 2009, fui morar em São Paulo, para me especializar na minha área. Permaneci naquela loucura por 3 anos. Neste tempo, tive diversos incômodos gastrointestinais, mas São Paulo estressa qualquer um, não é mesmo? Mais uma justificativa. 
Tinha dores de estômago e constipação intestinal (chegava a ficar uma semana sem ir ao banheiro!). 
Foi em 2011, mais especificamente a partir de março, que comecei a ter sintomas mais acentuados e muita náusea. Peregrinei pelos meu médicos naquela época, fiz exames (até de gravidez!), tomei remédios alopáticos e homeopáticos e nada, os desconfortos não iam embora. Me conhecendo, eu sabia que era meu estômago, só não entendia o porquê tão intenso. Cheguei a ouvir de minha ex-gastroenterologista que eu não tinha absolutamente nada no estômago (sem qualquer exame) e que seria encaminhada para o neurologista. "Hein? Você acha que estou com alguma alteração neurológica?"
Certamente não. O médico me examinou e após alguns minutos de conversa, disse que eu estava muito estressada. Eureka, né? "Óbvio! Eu tenho dores, náusea 24 horas por dia e não sei de onde ela vem e você quer que eu fique calma?". Pois bem, ele me sugeriu Rivotril e eu obviamente, não tomei. Para quem não sabe, é um ansiolítico, tarja preta. Eu tinha só 25 anos e não precisava daquele negócio.


Indo a um ginecologista, de rotina, ele me examinou e realmente disse que meu abdômen estava muito distentido (inchado), pediu uma endoscopia e ao ser questionado por uma indicação médica, sugeriu que eu me consultasse com sua própria gastroenterologista. Fiz a endoscopia e o resultado foi normal, sem alteração alguma, apesar dos desconfortos. Fui me consultar com a nova gastro.
Séria, de poucas palavras, me examinou, fez sua anamnese, me pesou (eu havia perdido 1 kg), e me olhou...olhou denovo...mais uma vez e disse: "Você não é celíaca?"
"O que? Eu? Celíaca? Minha querida, eu sempre tive gastrite. Me dá logo o remédio certo e eu vou ficar bem". Eu sabia, mais ou menos, o que significava ser celíaca.
Saí de lá com um pedido de exame de sangue e indignada. Como uma médica pode somente me olhar e me diagnosticar desta forma? 

Pois bem, fiz o exame de sangue (positivo para os marcadores da doença celíaca) e mesmo revoltada, voltei lá. Ela olhou o exame, olhou pra mim e disse: "Olha, 70% de chance de você ser celíaca!".

"Lá vem essa médica denovo! Como celíaca? Um marcador deu negativo. Ué, positivo com negativo não dá negativo? Eu sempre aprendi isso! Então por que esta mulher maluca está querendo me diagnosticar com isso? É a morte! Eu amo farinha de trigo e tudo que é feito com ela!"
Mesmo assim, o exame de sangue não é o gran finale. Eu precisaria fazer uma nova endoscopia, só que agora com uma biópsia de duodeno. E fiz. Enquanto o resultado não ficava pronto, curiosa que sou, pesquisei sobre a doença, conversei com pessoas e ainda acreditava que os 30% de chance de não ser celíaca eram maiores do que os 70%. 
Ao pegar o resultado, a descrição da biópsia era idêntica ao do intestino de um celíaco, porém acredito que até a patologista ficou na dúvida (porque ela mesma fez a biópsia duas vezes) e tratou logo de escrever que eu não tinha a doença celíaca.


"Iupiiiiiiiii...eu disse que essa médica estava maluca. Eu não tenho nada disso. Vou continuar feliz e contente consumindo o glúten."
Quer dizer, não tão contente assim, pois eu ainda tinha desconfortos terríveis. Após consumir em um único dia macarrão, chocolate e pizza, tive uma crise horrível de dor de cabeça e náusea. 


No dia do macarrão (25 de outubro) levei o resultado da endoscopia até a médica e logo falei : "Estou tão feliz que deu negativo!". E ela completou: "Apesar de a patologista não caracterizar como doença celíaca, não é só um único exame que faz o diagnóstico. É o seu quadro clínico + exame de sangue + características do seu intestino. Tudo isso junto dá o diagnóstico...é o que eu pensei, você é celíaca."

Perdi o chão. Como assim celíaca? 

"Não, eu tenho gastrite. Entendeu? GAS-TRI-TE! Que parte desta palavra você não entendeu, Dra.? Só porque sou magra, pequena e tinha dores de barriga quando criança? Minha família é magra e pequena e qualquer criança tem dor de barriga."


Após pensar tudo isso em frações de segundo, dei a volta por cima e falei: "E agora? o que eu faço?"
Ela me tranquilizou e me explicou o que era a doença e a única forma de tratamento: não consumir glúten. Ainda, garantiu que minha vida mudaria...que eu me sentiria muito mais disposta. Também, falou da importância de não se comer "nem um pouquinho", era dieta total isenta de glúten. Ressaltou algo que foi muito importante pra mim: eu não adquiri essa doença tampouco o emocional foi a causa. Era genético. Nasci com o diagnóstico, porém só vim a desenvolver os sintomas anos mais tarde, bastante comum em alguns casos. As tais dores de barriga quando criança e a constipação intestinal (apesar de o comum ser muita diarréia) faziam parte do quadro clínico. 
Ao final da consulta me pediu 45 dias de dieta e um retorno. Saí de lá, chorei e como estava com fome, entrei no supermercado para comprar alguma coisa. Deus do céu, TUDO tinha glúten! 

E agora? Eu iria morrer de fome e só poderia comer arroz? Como eu iria sair? Como eu comeria na casa das pessoas? E na casa do meu namorado, onde o preferido é o macarrão? Chorei mais ainda. E pastel? Bolo? Pão francês? 


Aquele dia foi o dia da consolação. Um falava daqui, outro dali...e, aos poucos, fui me acostumando com a ideia, afinal não via a hora de me livrar de tanta náusea. Não tinha conhecimento algum de grupos nas redes sociais, nem blog com receitas, nem nada. No dia seguinte, troquei de roupa, fiz um limpa no armário e tratei de começar a conhecer um mundo sem glúten, mais especificamente, sem trigo, aveia, centeio, malte e cevada. Comprei algumas coisinhas para quebrar um galho



De lá pra cá...bom, de lá pra cá vocês vão saber aos poucos tudo o que eu aprendi e venho aprendendo sobre essa condição. Sim, condição, porque doença eu tinha antes.


Um grande beijo, sem glúten, é claro!

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